Peritos do AM usam sorriso de “selfies” para identificação de corpos

A medicina legal é estruturada em diversas áreas e uma delas é a Antropologia Forense. No Instituto Médico Legal do Amazonas (IML), o núcleo especializado nesse ramo científico, formado por médicos legistas e peritos odontolegistas, vem ampliando a capacidade de identificação de pessoas com o uso de tecnologia e de um comportamento que está na moda: a fotografia selfie.

As fotos que inundam redes sociais estão sendo usadas para confirmação de identidade de corpos em avançado estágio de decomposição. (Foto: Erikson Andrade/SSP-AM).

As fotos que inundam redes sociais estão sendo usadas para confirmação de identidade de corpos em avançado estágio de decomposição.

Todo ser humano é único. Segundo estudos científicos, não existem duas pessoas com as mesmas digitais papiloscópicas, a mesma estrutura óssea ou idêntica arcada dentária. A partir da análise do perfil biológico, é possível estimar características antropológicas como sexo, idade, estatura e ancestralidade.

A Antropologia Forense se concentra no trabalho de identificação de corpos em estado avançado de decomposição, que não são possíveis de serem identificados pela papiloscopia ou odontologia legal, nem mesmo reconhecidos pelos familiares. Esses casos precisam ser identificados de maneira científica para poder serem liberados, ajudando, portanto, a aliviar a dor de familiares e amigos e, sobretudo, esclarecer as causas da morte.

O trabalho pericial, para ser adequadamente realizado, requer tempo suficiente para análise. Não deve haver pressa na realização dos estudos forenses, pois detalhes podem passar despercebidos, prejudicando a investigação.

Existe uma grande distinção entre o “reconhecimento” e a “identificação” de uma vítima. Seria muito fácil e rápida a liberação de um corpo e, consequentemente, a elucidação de um crime somente pelo reconhecimento. No entanto, para fins jurídicos é necessária a identificação do cidadão.

De acordo com a perita odontolegista Ligia Melissa, do IML, há três métodos primários para identificação de um ser humano. O papiloscópico, a análise da arcada dentária e a análise do DNA. Nesse último método, o resultado pode levar até três meses para ser concluído.

As fotos que inundam redes sociais estão sendo usadas para confirmação de identidade de corpos em avançado estágio de decomposição. (Foto: Erikson Andrade/SSP-AM).

O primeiro método de escolha é o papiloscópico, que consiste na coleta de digitais da vítima para comparação com os arquivos do Instituto de Identificação do Amazonas. No entanto, quando os corpos estão em processo de decomposição não é possível realizar a análise dessas papilas dérmicas. O segundo método de identificação é pela Odontologia Legal, com a comparação de dados dentários realizados em vida (prontuários atendimento, radiografias, modelos de gesso) com a arcada dentária apresentada pela vítima no IML. O terceiro método é a análise do DNA, processo pelo qual há comparação de amostra do corpo com possíveis familiares. Os dois primeiros métodos são mais rápidos e de baixo custo.

“O reconhecimento facial pelos familiares não é considerado válido judicialmente, há necessidade de identificação científica e o estudo antropológico auxilia os peritos nesse processo”.

Hoje em dia, a maioria da população possui e faz uso da câmera do celular para fazer registro fotográfico – as famosas selfies. Essas imagens têm contribuído no trabalho dos peritos odontolegistas do Estado. Quando um corpo está desaparecido, após entrevistas com supostos familiares, a equipe de odontolegistas solicita documentações do desaparecido, e isso inclui fotos em que a pessoa apareça sorrindo. As fotos, quando em boa qualidade e demonstrando características dentárias individualizadoras, são excelentes aliadas dos estudos antropológicos.

A perita odontolegista Izabella Goetten realizou, pela primeira vez no Amazonas, a identificação de um caso através da linha do sorriso com base em uma selfie. Ela conta que foi feito uma análise minuciosa das características dentárias demonstradas na foto bem como o delineamento das bordas incisais dos dentes que apareciam no sorriso da vítima. Após confronto e sobreposições de imagens, foi possível obter a identificação esperada.

“Infelizmente, em muitos casos, a família não possui documentação de prontuários odontológicos ou exames realizados em vida, necessário para fazer o confronto. Estamos realizando no IML o que chamamos de identificação pela linha do sorriso. A família traz várias fotos da pessoa em vida, aparecendo o sorriso, e tentamos fazer a comparação com os dados coletados no cadáver, elaborando uma sobreposição de imagem, delineamento do sorriso e assim auxiliando no processo de identificação do suposto”, explica Izabella.

“Com a técnica utilizando o delineamento digital das bordas incisais apresentadas na linha do sorriso, bem como características dentárias individualizadoras comparados as com a arcada dentária do cadáver foi possível concluir o caso”, acrescentou.

Outras técnicas vêm sendo utilizadas pelos antropólogos forenses do IML do Amazonas, como comparação de radiografias de seios frontais, conforme explicou Izabella Goetten.

“A relevância do trabalho antropológico precisa ser conhecida. Muitas vezes, a família de um desaparecido, por exemplo, não compreende a espera da análise minuciosa que é necessária para a elucidação do fato”, resumiu.